Duo Chipa lança quinto trabalho autoral ‘Lugar Distante’ em releitura ousada do cururu e siriri, tocando o interior da música sul mato-grossense.
por Rodrigo Teixeira
Fotografia: Cainã Siqueira (@cacazitos)
O Duo Chipa resolveu fazer um voo rasante no campo profundo do cururu e siriri. A guinada radical, consciente e surpreendente do grupo é comentada nesta entrevista pela campo-grandense Audria Lucas, o paulistano Cleozinho e o corumbaense Rafael Omar. Radicados em São Paulo, os três integrantes do Duo Chipa passaram uma vivência com o mestre Sebastião em Ladário, cidade ao lado de Corumbá, no coração do Pantanal sul-mato-grossense, que resultou no documentário “Entre Causos e Toadas”, previsto para chegar à internet em 18 de outubro.
Fotografia: Cainã Siqueira (@cacazitos)
Após a temporada aprendendo e registrando em vídeo o cururueiro, o grupo compôs uma série de músicas que faz parte do repertório de “Lugar Distante”, quinto trabalho inédito do Duo Chipa. Na entrevista, o trio comenta sobre o que levou eles a se interessarem pelo cururu e siriri e como foi o processo de produção do novo álbum, que vem com 12 faixas, entre elas nove inéditas.
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Por que vocês decidiram se aprofundar no ritmo do cururu e siriri? De onde veio a ideia?
Duo Chipa – Nós sempre pesquisamos a música caipira, mas o Omar entrou na banda em 2022 e nos apresentou o Sebastião, que é um mestre que toca os ritmos de cururu e siriri, vindos de Ladário e Corumbá.
Como vocês analisam este novo álbum em relação aos trabalhos já gravados e lançados pelo grupo?
Duo Chipa – Este novo álbum é mais trabalhado na música caipira, especificamente influenciado pelo cururu e siriri. Os álbuns anteriores têm outras referências como o rock, indie, brega… Uma grande diferença é que antes era uma formação de baixo, bateria e guitarra e atualmente usamos os instrumentos construídos pelo mestre Sebastião e seu sobrinho Bruno: viola de cocho, ganzá e mocho.
Qual a influência do Seu Sebastião nas músicas e no repertório do novo disco?
Duo Chipa – Fizemos uma vivência com o Seu Sebastião, onde aprendemos a tocar e cantar os ritmos de cururu e siriri. Também ouvimos diversas histórias contadas por ele e isso nos influenciou para criar as letras deste novo álbum.
Como foi o processo de feitura do disco?
Duo Chipa – O processo foi dividido entre o Móvel Studio, feito pelo Juninho em Corumbá, e o Estúdio Duo Chipa, feito em Campo Grande e São Paulo. Todo o processo foi realizado de março até agosto. Ambos estúdios trabalham de uma maneira bem caseira no estilo do DIY (faça você mesmo), com microfones no meio da sala e violas de cocho com captadores que o próprio Sebastião instalou.
De que maneira vocês dividiram o trabalho e a parte das composições em si?
Duo Chipa – A gente tem um processo de composição bem orgânico. Audria e Cleo compõe as letras, e o arranjo instrumental é feito por Cleo e Omar. Todos opinam em tudo, por isso consideramos uma criação em conjunto.
Como surgiu a ideia das músicas inéditas?
Duo Chipa – O cururu “Aracuã” veio no dia em que estávamos tocando com o mestre Sebastião, Bruno e o professor Douglas. Apareceu um casal de aracuãs cantando em cima da árvore que pareciam querer entrar na cantoria. Foi aí que percebemos que o canto dessa ave se parece muito com o toque do ganzá. “Onça Pintada” veio diretamente de uma história que o mestre nos contou sobre uma famosa onça, apelidada de três dedos, no Pantanal sul-mato-grossense. Quem quiser saber da história pode visitar o mestre em Ladário. “Saindo de Viagem” traz uma referência indireta às memórias do Trem do Pantanal. É um momento intimista de uma personagem que viaja da cidade grande para o interior. Colocamos um áudio “a capella” do mestre cantando suas memórias do trem no final da música. “Anta” é uma crítica aos atropelamentos de animais silvestres em rodovias. “Feitiço” é uma ficção que cria alguns personagens, carregando uma reflexão sobre os prazeres da vida e seus perigos. Todas as outras autorais também giram em torno de ficções ou situações abstratas a respeito destes temas.
Como é aproximar algo totalmente folclórico e antropológico, como o cururu, de uma linguagem sonora mais contemporânea?
Duo Chipa – Tentamos principalmente aprender com os ritmos tradicionais, para assim, preservá-los. Mas também entendemos que a tradição é viva e mutável. Assim tentamos criar em cima disso, tentando levar a viola de cocho para outros caminhos musicais.
Como foi aprender a tocar viola de cocho? Vocês conheciam este instrumento antes do novo disco?
Duo Chipa – A gente já conhecia a viola de cocho através da internet. O Omar é quem teve mais contato, desde criança, por nascer em Corumbá. Cleo e Omar já têm afinidade com instrumentos de corda, por isso não houve tanto estranhamento. Mas foi uma adaptação grande pra entender como manejar suas cordas feitas de linha de pesca e seus três trastes apenas.
Quem toca o que no disco?
Duo Chipa – As violas de cocho são do Omar e Cleo em todas as músicas, exceto em “Meus Olhos Que Não Choram Por Ninguém” que tem uma viola de Audria. As vozes foram divididas entre Audria e Cleo. Os ganzás e mocho foram revezados pelos três. Em “Moço que Copiava” e “Polca do Desprezado” tem uma bateria, programada como uma “drum machine”, um violão e uma guitarra tocada por Cleo. Algumas músicas tem baixo do Omar e uns teclados gravados em conjunto.
Algumas faixas do disco são releituras. Como estão trabalhando a questão do direito autoral, já que existem comunidades e mestres dos saberes envolvidos neste processo?
Duo Chipa – Foi difícil encontrar a autoria individual para as três músicas que estamos interpretando no disco. Elas fazem parte do patrimônio cultural do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. São composições que representam e fazem parte de comunidades específicas, portanto, é complicado nomear apenas como "Domínio Público". Quem nos ajudou bastante nessa questão foi a pesquisadora Marlei Sigrist, do Grupo Camalote. Então nós decidimos denominar as interpretações desta maneira: “Tramelado” (cururu) é de autoria originária da comunidade do Vale do Rio Cuiabá no Mato Grosso; “Marrequinha da Lagoa” (siriri) é de autoria originária de grupos de cururu e siriri, patrimônio vivo de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; “Meus Olhos Que Não Choram Por Ninguém” é de autoria originária da comunidade de Corumbá e Ladário.
O Mato Grosso do Sul tem o seu próprio jeito de tocar o cururu?
Duo Chipa – A gente costuma falar em sotaque de viola. O cururu e siriri feito em Ladário e Corumbá é um pouco mais lento e letras mais curtas em relação aos que são feitos no Mato Grosso. O Vale do Rio Cuiabá abrange várias cidades do Mato Grosso, cada localidade vai ter um sotaque de tocar a viola e de cantar um pouco diferente.
Quais outros artistas que vocês conhecem e que envolvem o cururu, siriri e a viola de cocho em seus respectivos trabalhos?
Duo Chipa – O que conhecemos são os mestres ou cururueiros da região entre Corumbá e Cuiabá. O mestre Alcides Ribeiro e José Rodolfo, por exemplo, são cururueiros incríveis que conhecemos recentemente, além de outros mestres mais velhos como, por exemplo, o mestre Agripino e o mestre Vitalino. São poucos os registros fonográficos desta sonoridade. Além dos cantadores tradicionais temos pesquisadores da viola que levam a viola de cocho para outros lugares, como Levi Ramiro, Katya Teixeira, Roberto Correia e Daniel de Paula.
Quais os artistas que vocês já ouviam e que acabaram influenciando neste novo disco?
Duo Chipa – Muita coisa do que a gente ouviu durante a vida influenciou a criação deste álbum, mas achamos que o mais importante é a busca pela identidade sonora do Mato Grosso do Sul. Por exemplo, os artistas Tetê Espíndola, Alzira E, Grupo ACABA, Délio e Delinha, Helena Meirelles, Paulo Simões, Geraldo Roca, Almir Sater, entre outros.
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